terça-feira, 30 de agosto de 2016

FISIOLOGIA DA GESTAÇÃO


A gestação é uma condição fisiológica especial, mas não uma doença.
CONCEITOS BÁSICOS
·       Quanto ao número de partos, as fêmeas podem ser:
A Nulípara = nunca pariu
A Primípara = 1ª gestação ou 1º parto
A Plurípura = vários partos ou gestações
·       Quanto ao número de filhotes por gestação, as fêmeas podem ser:
A Unípara = 1 filhote/gestação, tem útero bipartido (cornos pequenos em relação ao corpo uterino)
A Multípara = vários filhotes/gestação, tem útero bicornual (cornos grandes em relação ao corpo uterino)

DURAÇÃO DA GESTAÇÃO
A duração da gestação varia com a espécie:
Espécie
Duração*
Equino
330-345d
11m
Bubalino
298-317d
10m
Bovino
270-290d
9m
Caprino
145-151d
5m
Ovino
144-152d
5m
Suíno
112-115d
3m3s3d
Canino
56-59d
2m
Felino
64-68d
2m
*Em bovinos, ± 10 dias; nas demais espécies considerar ± 5 dias.
Os fatores que influenciam o tempo de gestação podem ser maternos, genéticos, fetais, ambientais (nas espécies fotoperíodo-dependentes), outros (ex: estresse pode encurtar ou prolongar a gestação). Cada fêmea tem uma característica e a duração da gestação é genética. Em fêmeas multíparas, quanto mais fetos, mais curta a gestação em virtude da quantidade de cortisol. Gênero e tamanho dos fetos também influenciam a duração da gravidez, onde fetos machos prolongam a gravidez.

IMUNOLOGIA DA GESTAÇÃO
Imunologia da gestação é uma particularidade, visto que agora o organismo materno abriga uma estrutura estranha, o concepto, que possui material genético tanto da mãe, como do pai. O concepto é reconhecido pelo sistema imune como um "parasita", sendo um parasita perfeito, pois além de aproveitar nutrientes da mãe, ele também é uma prioridade dentro do organismo materno. Então, como o embrião contendo antígenos consegue sobreviver em um organismo imunocompetente? Para isso deve haver um bloqueio à rejeição imunológica, através de:
·       Redução de antígenos do complexo principal de histocompatibilidade classes I e II (MHC I e II), de modo que o concepto fica "escondido" do sistema imune da mãe;
·       Ação sobre citocinas maternas, modificando o balanço da distribuição de linfócitos T-helper (Th), reduzindo Th1, que são lesivos à gestação, e aumentando Th2;
·       Moléculas, secretadas pelo tecido materno e trofoblasto, com função de inibir a replicação de linfócitos e atividade celular dentro do útero; dentre as moléculas liberadas pela placenta tem-se:
A Progesterona (P4), que é imunossupressora, porém se por um lado permite a manutenção da gestação (protegendo o concepto do ataque do sistema imune da mãe), por outro facilita infecções;
A Prostaglandina E2 (PGE2), também imunossupressora;
A Interferon tao (INFt), importante em ruminantes, funciona como mecanismo protetor do embrião ao ligar-se às células embrionárias tornando-as refratárias aos anticorpos (AC) maternos;
A Proteína associada à gestação (PAG) que se liga aos AC maternos impedindo que estes se liguem ao embrião. (Obs.: não há PAG em cadelas)

ENDOCRINOLOGIA DA GESTAÇÃO
Progesterona
Em qualquer espécie (dentre os mamíferos), a gestação é dominada e mantida pela P4, que pode ser fornecida pelo corpo lúteo (CL) ou pela placenta, de acordo com cada espécie. A P4 produz uma série de alterações:
·       Suprime o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, interrompendo o ciclo estral;
·       Imunossupressão uterina;
·       Suprime a contratilidade uterina;
·       Estimula glândulas endometriais, para produção de leite uterino que nutre o embrião antes da formação da placenta;
·       Promove hiperplasia (Ûnúmero de células) e hipertrofia (Û tamanho) de todas as camadas do útero;
·       Promove desvios metabólicos e circulatórios de modo que o útero seja prioridade do organismo;
·       É anti-insulinêmico, já que o principal nutriente usado pelo feto é a glicose. Obs.: por ser anti-insulinêmico, não usar medicação P4 em fêmeas diabéticas;
·       Promove hipertrofia cardíaca, para garantir o aumento da volemia (aprox. 30%). Obs.: o aumento da volemia é apenas aumento de líquido e não de células, logo o hematócrito da gestante é baixo;
·       Desenvolvimento do epitélio mamário no final da gestação, para que haja produção de colostro (porém, a produção de colostro não é dada pela P4).
*Obs: Gatas a placenta após 42ºd; Éguas após 7º mês; Ovelhas após 70ºd (mas o CL pode permanecer).
Estrógenos
Estrógenos são um grupo de substâncias, onde o 17b-estradiol é o principal estrógeno da fêmea não gestante, e estrona é o principal estrógeno da fêmea gestante, bem como o estradiol. A estrona é produzida pela unidade feto-placentária, ou seja, pela porção trofoblástica do embrião e placenta. Em suínos e equinos, esse hormônio participa do reconhecimento materno. O estradiol é liberado para desencadear o parto.
Os estrógenos participam da implantação desencadeando uma reação inflamatória no sítio de implantação, escavando o endométrio e dando espaço para a implantação. Esses hormônios também participam da formação dos ductos da glândula mamária, enquanto que a P4 forma os alvéolos mamários e a prolactina age na liberação do leite.

Prolactina
Esse hormônio aumenta os receptores de LH no CL, bem como a absorção de colesterol para a formação de estrógenos. Logo, atua na manutenção do CL e da gestação.
 (*Cadelas)
Relaxina (relaxina gestacional ≠ relaxina parto)
É produzida pelo CL, exceto nos carnívoros que é produzida pela placenta. Nos suínos é produzida em grande quantidade, pois o útero é grande. Age em sinergismo com a P4 para manter o relaxamento uterino (quiescência uterina). Nos carnívoros serve como diagnóstico de gestação, pois só há relaxina quando há placenta.
Lactogênio placentário
É produzido exclusivamente por primatas e ruminantes. Tem constituição bioquímica semelhante ao GH (crescimento fetal) e à Prolactina (desenvolvimento da glândula mamária e produção de colostro)
Gonadotrofina coriônica equina (eCG)
Responsável pela manutenção de CL acessórios.
Gonadotrofina coriônica humana (hCG)
Ocorre em todos os primatas. É produzida pela placenta. É bioquimicamente análoga ao LH, logo sua principal função é a manutenção de CL.
Obs.: LH é necessário para manter CL (exceto em cadelas e gatas). Os picos de LH também são necessários para preparar os futuros folículos ovulatórios.

ADAPTAÇÃO MATERNA
A P4 promove adaptação do organismo materno para manter o feto através de:
·           Manutenção do balando hidroeletrolítico, apesar do aumento de volemia;
·           Modificações metabólicas, regulando níveis de nutrientes para o feto;
·           Modificações hemodinâmicas para suprir o útero e as glândulas mamárias (no final da gestação);

·           Modificações nos órgãos reprodutivos, aumentando o tamanho e formando tampão na cérvix (protegendo contra infecções).

IMPLANTAÇÃO E PLACENTAÇÃO DO EMBRIÃO


O embrião, na forma de vida livre, percorre o útero até achar um local adequado para implantação, ou seja, interação entre os tecidos embrionário e materno. É um processo que só existe nos eutérios (= que possuem placenta).
Tempo de implantação
Espécie
Tempo de implantação
Espécie
11-14 dias
Suínos
17-20 dias
Bovino
13-14 dias
Felinos
17-21 dias
Caninos
15-16 dias
Ovino / Caprino
28-40 dias (35º dia)
Equino

A regulação da implantação acontece através de vários mecanismos e há diversas substâncias envolvidas, inclusive inibidoras do sistema imunológico: citocinas, hormônios (estrógenos), enzimas e outros fatores, como IGF2 e EGF em equinos, IFNt e PSPB em bovinos, IGF2 em ovinos e suínos.
A implantação é dividida em fases:
(1) Ruptura da ZP:
Se o embrião ficar preso na ZP não tem como haver implantação, assim, por ação de enzimas (estripsina) e aumento da pressão osmótica, há ruptura da ZP e liberação do embrião.
(2) Aproximação:
O embrião migra dentro do útero em busca do local com boas condições de implantação, como boa vascularização para obter nutrição. Assim, o sítio de implantação é o local favorecido de suprimento sanguíneo e que possa garantir uma boa nutrição para o embrião. Inclusive, uma maior ou menor vascularização pode determinar a diferença de tamanho entre fetos.
O embrião, ao encontrar o sítio de implantação, libera PAF (fator de agregação plaquentária) que promove refratariedade para outros embriões. O embrião equino libera uteroferrina, que também promove refratariedade. O embrião suíno libera uteroferrina e uteroglobina, com a mesma função de refratariedade.
Obs.: nessa fase o embrião ainda não interagiu diretamente com o tecido materno.
(3) Aposição:
É o primeiro contato direto e físico do embrião com o tecido endometrial. O tecido trofoblástico é o responsável pela aposição, tocando o endométrio.
(4) Adesão:
Ocorre a primeira ligação direta, porém superficial, entre tecidos trofoblástico e endometrial.
(5) Penetração:
O tecido trofoblástico forma vilos que penetram no tecido endometrial, em maior ou menor grau de acordo com a espécie.


Anexos Embrionários (= placenta + anexos placentários)
São formados a partir do contato do tecido embrionário com o tecido endometrial.
ANEXOS
PEIXES
ANFÍBIOS
REPTEIS
AVES
MAMIF.*
Saco vitelínico
X
X
X
X
X
Amnion


X
X
X
Alantóide


X
X
X
Corion


X
X
X
Cordão umbilical




X
Placenta




X
*Exceto as espécies de mamíferos que colocam ovos: equidna e ornitorrinco.
~ Saco vitelínico
É derivado direto do citoplasma do oócito, sendo fonte de nutrientes e, portanto, uma estrutura importante para os ovíparos. Nos mamíferos é o principal responsável pela nutrição até a formação da placenta. Tem como funções: nutrição, circulação onfalomesentérica, hematopoiese, reservatório de células germinativas primordiais (que atuam na diferenciação sexual).
~ Amnion
É uma estrutura sacular que contém o líquido amniótico. Esse líquido tem natureza mucoide, ficando mais viscoso no final da gestação, isso porque tem origem das secreções epitelial, salivar e nasofaringea do feto. Contém diversas substâncias nutritivas: frutose, lipídeos, proteínas, enzimas, sais minerais.
~ Alantoide
É uma estrutura sacular mais externa, sendo que uma parte se adere ao âmnio (alantoamnio), enquanto a outra se adere ao córion (alantocórion). O alantoide se comunica com a bexiga fetal através do canal do úraco e funciona como reservatório de excretas do feto, formando o líquido amniótico que é uma reserva hiperosmótica, atuando no controle da pressão osmótica do feto. De modo geral, o líquido alantoideano é aquoso, enquanto o amniótico é viscoso. Soltos no líquido aminiótico, pode-se encontrar corpos ovalados ou discoides, homogêneos, sem características teciduais, originados do leite uterino, formando cálculos onde se depositam sais e mucina.  Estes corpos são conhecidos como boomanes na vaca ou hipomanes na égua.
Em conjunto, os líquidos amniótico e alantoide desempenham funções, como: proteção mecânica (traumas), mobilidade para o feto, nutrição, dilatação e lubrificação do canal do parto, bactericida e antiaderente.
A quantidade desses líquidos varia entre as espécies e no decorrer da gestação. Em ovinos, verifica-se:
Mês
Aminiótico
Alantoide
Total

3
38
41
mL
169
89
258
mL
604
131
735
mL
686
485
1171
mL
*369
834
1203
mL
*No último mês, líq.amniótico < liq.alantoide
~ Córion
É a estrutura mais externa que reveste todo o embrião e de onde partem as vilosidades coriônicas que dão origem à placenta.



~ Placenta
A placenta é formada a partir da interação entre as vilosidades coriônicas e o tecido uterino, formando um tecido diferenciado (às vezes, bi- ou trinucleado). É uma glândula endócrina transitória, presente durante o período gestacional. Esse anexo embrionário tem a função de suprir as necessidades fisiológicas do embrião, como: respiração, nutrição, filtração e excreção, endócrina, imunoproteção e regulação das funções orgânicas de modo geral.
O feto ainda não é capaz de realizar trocas gasosas, até porque está imerso em líquido. Assim, o sangue oxigenado chega ao feto através da veia umbilical e o excesso de gás carbônico sai do organismo fetal a partir das veias umbilicais. Durante a vida fetal, há alguns desvios circulatórios que devem fechar-se após o nascimento: ducto arteriovenoso (vasos da basa), ducto venoso (fígado) e forame oval (coração).
Quanto à nutrição, o principal nutriente necessário ao feto é a água, necessitando ainda de elementos inorgânicos (cálcio, fósforo, iodo, ferro, etc) e substâncias orgânicas, como: glicose (principal nutriente usado pelo feto), frutose, lipídeos, aminoácidos de passagem rápida e proteínas com passagem variável. Sabe-se que a progesterona é um hormônio antiinsulinêmico, de modo que seja mantido um bom aporte de glicose para o feto.
Placentação é o fenômeno de formação da placenta e pode ser classificada em deciduada e adeciduada. No primeiro tipo há formação de placenta verdadeira, como em carnívoros, roedores e primatas. A placenta adecídua tem menor interação entre tecidos embrionário e materno, mas apesar de menos pontos de interação, a ligação entre tecidos embrionário e materno é mais forte, daí maior probabilidade de retenção de placenta.

De acordo com o grau de interação entre tecidos embrionário e materno (grau de penetração dos vilos), as placentas são classificadas em: epiteliocorial, sinepiteliocorial, endoteliocorial e hemocorial. A placenta epiteliocorial ocorre em asininos, equinos e suínos, havendo pouca penetração do tecido embrionário no endométrio. A placenta sinepiteliocorial ocorre em ruminantes, e diferencia-se da anterior por porções com maior penetração do tecido epitelial no endométrio, nas chamadas carúnculas. A placenta endoteliocorial ocorre nos carnívoros e há penetração do trofoblasto até a proximidade dos capilares endometriais, permitindo até 15% de passagem de anticorpos. A placenta hemocorial, típica de primatas e roedores, o tecido trofoblástico invade o capilar endometrial, permitindo a troca de 100% de anticorpos entre feto e mãe. (Obs.: isso também vale passagem de medicação da mãe para o feto)




 
Epiteliocorial
(A) Difusa
Equídeos e suínos
Sinepiteliocorial
(B) Cotiledonária
Ruminantes
Endoteliocorial
(C) Zonária
Carnívoros
Hemocorial
(D) Discoidal
Primatas e roedores



~ Cordão umbilical
Exclusivamente em mamíferos eutérios, assim como a placenta, é formado pelos demais anexos, exceto o córion, com o qual não tem relação. No cordão umbilical, em torno dos vasos, há uma substância gelatinosa denominada "Geleia de Wharton". As células do cordão umbilical são totipotentes.