terça-feira, 30 de agosto de 2016

IMPLANTAÇÃO E PLACENTAÇÃO DO EMBRIÃO


O embrião, na forma de vida livre, percorre o útero até achar um local adequado para implantação, ou seja, interação entre os tecidos embrionário e materno. É um processo que só existe nos eutérios (= que possuem placenta).
Tempo de implantação
Espécie
Tempo de implantação
Espécie
11-14 dias
Suínos
17-20 dias
Bovino
13-14 dias
Felinos
17-21 dias
Caninos
15-16 dias
Ovino / Caprino
28-40 dias (35º dia)
Equino

A regulação da implantação acontece através de vários mecanismos e há diversas substâncias envolvidas, inclusive inibidoras do sistema imunológico: citocinas, hormônios (estrógenos), enzimas e outros fatores, como IGF2 e EGF em equinos, IFNt e PSPB em bovinos, IGF2 em ovinos e suínos.
A implantação é dividida em fases:
(1) Ruptura da ZP:
Se o embrião ficar preso na ZP não tem como haver implantação, assim, por ação de enzimas (estripsina) e aumento da pressão osmótica, há ruptura da ZP e liberação do embrião.
(2) Aproximação:
O embrião migra dentro do útero em busca do local com boas condições de implantação, como boa vascularização para obter nutrição. Assim, o sítio de implantação é o local favorecido de suprimento sanguíneo e que possa garantir uma boa nutrição para o embrião. Inclusive, uma maior ou menor vascularização pode determinar a diferença de tamanho entre fetos.
O embrião, ao encontrar o sítio de implantação, libera PAF (fator de agregação plaquentária) que promove refratariedade para outros embriões. O embrião equino libera uteroferrina, que também promove refratariedade. O embrião suíno libera uteroferrina e uteroglobina, com a mesma função de refratariedade.
Obs.: nessa fase o embrião ainda não interagiu diretamente com o tecido materno.
(3) Aposição:
É o primeiro contato direto e físico do embrião com o tecido endometrial. O tecido trofoblástico é o responsável pela aposição, tocando o endométrio.
(4) Adesão:
Ocorre a primeira ligação direta, porém superficial, entre tecidos trofoblástico e endometrial.
(5) Penetração:
O tecido trofoblástico forma vilos que penetram no tecido endometrial, em maior ou menor grau de acordo com a espécie.


Anexos Embrionários (= placenta + anexos placentários)
São formados a partir do contato do tecido embrionário com o tecido endometrial.
ANEXOS
PEIXES
ANFÍBIOS
REPTEIS
AVES
MAMIF.*
Saco vitelínico
X
X
X
X
X
Amnion


X
X
X
Alantóide


X
X
X
Corion


X
X
X
Cordão umbilical




X
Placenta




X
*Exceto as espécies de mamíferos que colocam ovos: equidna e ornitorrinco.
~ Saco vitelínico
É derivado direto do citoplasma do oócito, sendo fonte de nutrientes e, portanto, uma estrutura importante para os ovíparos. Nos mamíferos é o principal responsável pela nutrição até a formação da placenta. Tem como funções: nutrição, circulação onfalomesentérica, hematopoiese, reservatório de células germinativas primordiais (que atuam na diferenciação sexual).
~ Amnion
É uma estrutura sacular que contém o líquido amniótico. Esse líquido tem natureza mucoide, ficando mais viscoso no final da gestação, isso porque tem origem das secreções epitelial, salivar e nasofaringea do feto. Contém diversas substâncias nutritivas: frutose, lipídeos, proteínas, enzimas, sais minerais.
~ Alantoide
É uma estrutura sacular mais externa, sendo que uma parte se adere ao âmnio (alantoamnio), enquanto a outra se adere ao córion (alantocórion). O alantoide se comunica com a bexiga fetal através do canal do úraco e funciona como reservatório de excretas do feto, formando o líquido amniótico que é uma reserva hiperosmótica, atuando no controle da pressão osmótica do feto. De modo geral, o líquido alantoideano é aquoso, enquanto o amniótico é viscoso. Soltos no líquido aminiótico, pode-se encontrar corpos ovalados ou discoides, homogêneos, sem características teciduais, originados do leite uterino, formando cálculos onde se depositam sais e mucina.  Estes corpos são conhecidos como boomanes na vaca ou hipomanes na égua.
Em conjunto, os líquidos amniótico e alantoide desempenham funções, como: proteção mecânica (traumas), mobilidade para o feto, nutrição, dilatação e lubrificação do canal do parto, bactericida e antiaderente.
A quantidade desses líquidos varia entre as espécies e no decorrer da gestação. Em ovinos, verifica-se:
Mês
Aminiótico
Alantoide
Total

3
38
41
mL
169
89
258
mL
604
131
735
mL
686
485
1171
mL
*369
834
1203
mL
*No último mês, líq.amniótico < liq.alantoide
~ Córion
É a estrutura mais externa que reveste todo o embrião e de onde partem as vilosidades coriônicas que dão origem à placenta.



~ Placenta
A placenta é formada a partir da interação entre as vilosidades coriônicas e o tecido uterino, formando um tecido diferenciado (às vezes, bi- ou trinucleado). É uma glândula endócrina transitória, presente durante o período gestacional. Esse anexo embrionário tem a função de suprir as necessidades fisiológicas do embrião, como: respiração, nutrição, filtração e excreção, endócrina, imunoproteção e regulação das funções orgânicas de modo geral.
O feto ainda não é capaz de realizar trocas gasosas, até porque está imerso em líquido. Assim, o sangue oxigenado chega ao feto através da veia umbilical e o excesso de gás carbônico sai do organismo fetal a partir das veias umbilicais. Durante a vida fetal, há alguns desvios circulatórios que devem fechar-se após o nascimento: ducto arteriovenoso (vasos da basa), ducto venoso (fígado) e forame oval (coração).
Quanto à nutrição, o principal nutriente necessário ao feto é a água, necessitando ainda de elementos inorgânicos (cálcio, fósforo, iodo, ferro, etc) e substâncias orgânicas, como: glicose (principal nutriente usado pelo feto), frutose, lipídeos, aminoácidos de passagem rápida e proteínas com passagem variável. Sabe-se que a progesterona é um hormônio antiinsulinêmico, de modo que seja mantido um bom aporte de glicose para o feto.
Placentação é o fenômeno de formação da placenta e pode ser classificada em deciduada e adeciduada. No primeiro tipo há formação de placenta verdadeira, como em carnívoros, roedores e primatas. A placenta adecídua tem menor interação entre tecidos embrionário e materno, mas apesar de menos pontos de interação, a ligação entre tecidos embrionário e materno é mais forte, daí maior probabilidade de retenção de placenta.

De acordo com o grau de interação entre tecidos embrionário e materno (grau de penetração dos vilos), as placentas são classificadas em: epiteliocorial, sinepiteliocorial, endoteliocorial e hemocorial. A placenta epiteliocorial ocorre em asininos, equinos e suínos, havendo pouca penetração do tecido embrionário no endométrio. A placenta sinepiteliocorial ocorre em ruminantes, e diferencia-se da anterior por porções com maior penetração do tecido epitelial no endométrio, nas chamadas carúnculas. A placenta endoteliocorial ocorre nos carnívoros e há penetração do trofoblasto até a proximidade dos capilares endometriais, permitindo até 15% de passagem de anticorpos. A placenta hemocorial, típica de primatas e roedores, o tecido trofoblástico invade o capilar endometrial, permitindo a troca de 100% de anticorpos entre feto e mãe. (Obs.: isso também vale passagem de medicação da mãe para o feto)




 
Epiteliocorial
(A) Difusa
Equídeos e suínos
Sinepiteliocorial
(B) Cotiledonária
Ruminantes
Endoteliocorial
(C) Zonária
Carnívoros
Hemocorial
(D) Discoidal
Primatas e roedores



~ Cordão umbilical
Exclusivamente em mamíferos eutérios, assim como a placenta, é formado pelos demais anexos, exceto o córion, com o qual não tem relação. No cordão umbilical, em torno dos vasos, há uma substância gelatinosa denominada "Geleia de Wharton". As células do cordão umbilical são totipotentes.



ESTABELECIMENTO E MANUTENÇÃO DA GESTAÇÃO


Ciclo estral: estro → metaestro → diestro → proestro → estro...
Com o pico de LH ocorre a ovulação (cio), depois segue um aumento P4 (CL) e produção de PG pelo útero, ocorrendo luteólise e encerrando o ciclo. Porém, quando há gestação, os níveis de P4 devem ser mantidos altos e a luteólise impedida.
Quando ocorre a ovulação, há formação de CL (pelo aumento de LH, levando a um processo luteinizante) que por sua vez vai produzir P4 durante uma pequena fase do ciclo (que corresponde ao diestro).
Mas o que mantém o CL são os fatores luteotríficos, que consistem em:
~ LH (que forma e mantém o CL);
~ Prolactina (produzida pela hipófise), que é mais importante no caso dos carnívoros;
~ hCG, que é mais importante no caso dos primatas.
No entanto, não deve haver PG pois ela é luteolítica. Logo, para que a gestação seja mantida é necessário que haja algo que impeça a produção e liberação de PG.
O embrião envia sinais para o organismo materno informando sua presença e que a gestação deve ser mantida. A gestação pode ser dividida em duas fases: embrião (até organogênese) e feto (quando começa a diferenciação).

Transporte embrionário
O embrião tende a migrar para o útero e lá ele pode chegar ainda dentro da ZP ou fora dela. Quando fora da ZP inicia a vida livre até a nidação. A ZP fornece proteção contra algumas infecções por isso aconselha-se que a transferência de embriões seja realizada ainda antes da eclosão do blastocisto.
Espécie
Tempo (dias)
Estágio celular
Espécie
Tempo (dias)
Estágio celular
Suína
2
4-8 céls
Equina
3-6
16-32 céls
Caprina/Ovina
3
8 céls
Felina
4-8
16-32 céls
Bovina
3-4
16-32 céls
Canina
5-9
32-64 céls

Reconhecimento materno da gestação (RM)
É um evento onde o próprio embrião, na fase de vida livre, avisa ao organismo da mãe sobre sua presença, de modo que não produza PG e mantenha o CL. A partir daqui, o CL cíclico passa a ser chamado de CL gravídico.
Esse fenômeno difere entre as espécies:
~ Ruminantes
Nos ruminantes são produzidos e liberados pelo embrião fatores antiluteolíticos, como interferon-t e PSPB (proteína B específica da gestação). A PSPB barra o sistema imune materno contra antígeno paterno contido no embrião. Já o IFN-t tem várias funções importantes: estabilizar rP4 do endométrio de modo a garantir maior ligação de P4 com sítio de ligação do endométrio; inibição de rE2 e rOCT (receptores de ocitocina), consequentemente inibindo a estimulação primária liberação de PG; inibição enzimática de cicloxigenases, evitando a conversão de ácido aracdônico em PG; função endócrina, onde no ovário age protegendo CL, tornando-o refratário à ação da PG.
O embrião sofre processo de alongamento rápido, o que é importante para distribuir-se melhor no útero e exercer de forma mais eficiente a função de reconhecimento.
Em bov e cap, o RM deve ocorrer entre o 14º e 16º dia de gestação. São CL-dependentes (ou seja, o CL é a principal fonte de P4). Nessas espécies há supressão completa de PG pelo IFN-t.
Já em ovi, o RM deve ocorrer entre o 12º e 13º dia de gestação. São placento-dependentes (ou seja, a placenta é a principal fonte de P4, a partir do 70º dias de gestação). O CL pode degenerar ou seguir durante toda a gravidez, produzindo P4. Nessa espécie não há inibição completa de PG.
~ Suínos
Também há ação do IFN-t, mas o principal fator luteotrófico são os estrogênios (lembrando que são 8 tipos de estrógenos e na gravidez só não é produzido o estradiol). O estrógeno atua desviando a absorção de PG pelos vasos endometriais e atraindo PG para a luz do útero, onde enzimas embrionárias convertem PGF2 em PGM, que não tem qualquer efeito sobre o CL. Inclusive, nesta espécie, o nível sérico de PGM pode ser usado como indicador de gravidez. O RM ocorre entre 11º e 14º dia de gestação. São CL-dependentes. E há mais um fator: são necessários ao menos 4 embriões, distribuídos equitativamente entre os cornos uterinos, para que haja produção suficiente de E2.
~ Equinos
Tem RM muito complexo, pois são vários mecanismos ainda não completamente elucidados.
O embrião sinaliza para a junção uterotubária para que ela se abra e permita a passagem do embrião para o útero. O embrião mantém formato esférico, envolto em cápsula glicoproteica, e esse formato facilita a migração do embrião pelos cornos uterinos (que ocorre até 18-20º dia de gestação).
Funcionam como fatores anti-luteolíticos a migração embrionária e a ação sinérgica de E2 e P4, que estimulam o embrião a produzir uteroferrina, que serve como sinal bioquímico para impedir a produção de PG.
O RM ocorre entre 12-13º dia. São placento-dependentes (a partir do 7º mês de gestação). O CL lúteo se mantém como principal fonte de P4 até o 5º mês. Entre o 5º e 7º meses de gestação, quem produz P4 são os CL acessórios.

Quando ocorre a implantação, por volta do 35º dia, há interação entre células endometriais e células embrionárias, dando origem a cálices endometriais (células bi ou trinucleadas) que produzem eCG. Esse hormônio mimetiza nFSH e, em menor grau, LH. Assim, quando mimetiza o nFSH (por volta do 90º dia) há estímulo para produção de folículos ovarianos (e pode haver cio, em virtude do aumento de E2), que irão transformar-se em CL acessórios em razão da função de LH.




~ Caninos
O diestro da cadela dura cerca de 60 dias (período semelhante à gestação), logo não há luteólise e não precisa de mecanismo de reconhecimento materno. Assim, na cadela gestante, o CL vai se degradar após o parto por mecanismo endócrino, e na cadela não-gestante o CL se degrada por processo de morte programada.
A relaxina é produzida exclusivamente pela placenta mas não é importante para o RM.
~ Felinos
Felinos não produzem PG, logo não necessita de RM. O CL dura 42 dias, quer a gata esteja gestante ou não. Na gestante, a placenta então passa a atuar de modo que a gata é placenta-dependente.
Observação: a placenta de todas as fêmeas produz P4, mas somente em ovelhas, éguas e gatas produz em quantidade suficiente para manter a gestação.